quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Neo-Classicismo e Pré-Romantismo

O século XVIII costuma designar-se por «Século das luzes» ou «Iluminismo» pelo predomínio que a Razão, como luz esclarecedora, passou a exercer nas formas do Pensamento.

Define-se, como sistema filosófico, o Racionalismo (que vai conduzir ao ateísmo e ao positivismo do século XIX) com a Crítica da Razão Pura, de Kant (1724).

Jardins do Palácio de Queluz, do século XVIIIO Racionalismo produz os germes de revolta contra a opressão espiritual da escolástica durante o século XVII. É, pois, o século XVIII, fundamentalmente, um século de crise espiritual que leva os homens à objectiva e aguda percepção dos males da época; é, por consequência, uma época em que floresce de modo extraordinário a crítica, sob a forma de sátira ou de obras e ensaios didácticos, cartas, métodos e tratados. O género satírico apresenta-se, pois, como um dos mais copiosos e representativos.

Apreciando criticamente a produção do período barroco, os escritores apercebem-se da debilidade de conteúdo de muitas das manifestações literárias e iniciam a sua luta contra a superabundância ornamental e os excessos formais. As Academias (que nas últimas décadas do século anterior se haviam já anunciado com o aparecimento da Academia dos Generosos e da Academia dos Singulares) correspondem a esse desejo de luta e de aperfeiçoamento crítico e esclarecido. Surgem assim as Academias (numerosas e activas, como a dos Anónimos, dos Ocultos, dos Aplicados, dos Unidos, dos Obsequiosos, etc.), de que, em 1720, convém assinalar a Academia Real da História, fundada por decreto do rei D. João V. Os nomes mais relevantes dessa colmeia laboriosa foram: D. António Caetano de Sousa, Diogo de Barbosa Machado, Francisco Leitão Ferreira, José Soares da Silva. A História vai-se, progressivamente, aproximando dos ramos do conhecimento científico para se afastar dos géneros literários aos quais até agora estivera estreitamente vinculada. A pesquisa e a crítica documental tomam, pouco a pouco, feição nitidamente científica.

Em 1780, no reinado da rainha D. Maria I, o Duque de Lafões, secundado pelo Abade Correia da Serra, obtém a fundação da Academia Real das Ciências substituindo a da História, órgão cultural ainda hoje sobre­vivente. Fr. Manuel do Cenáculo, Ribeiro dos Santos, António Caetano do Amaral, Francisco Alexandre Lobo, Frei Fortunato de S. Boaventura, Coelho da Rocha, etc. foram alguns dos seus nomes mais ilustres durante o século XVIII. A Academia Real das Ciências (que, em 1910, data da implantação da República, passou a chamar-se Academia das Ciências de Lisboa) possui uma Biblioteca notável que já no século XVIII contava mais de 200000 volumes, entre os quais 112 incunábulos e raridades bibliográficas de incalculável valor.


A Arcádia


A Arcádia Lusitana ou Ulissiponense, fundada em 1756, da qual foram membros fundadores António Dinis da Cruz e Silva, Esteves Negrão e Correia Garção, foi, porém, a mais notável e importante das Academias literárias e manteve-se durante vinte anos, depois do que foi reorganizada com a designação de Nova Arcádia. Visava, como esclarecem os seus estatutos, reformar o gosto deteriorado e reacender o interesse das novas gerações pelas artes literárias; pretendia, pois, «formar uma escola de bons ditames e de bons exemplos em matéria de eloquência e de poesia, que servisse de modelo aos mancebos estudiosos e difundisse ( ... ) o ardor de restaurar a antiga beleza destas esquecidas Artes».

As bases em que os árcades fundamentavam a sua acção reformadora consistiam, principalmente:

• na crítica mútua, objectiva e desassombrada das produções literárias apresentadas nas sessões da Arcádia pelos seus sócios;


• no regresso à imitação dos clássicos da Antiguidade, como fontes mais puras da perfeição literária, embora adaptando-os ao gosto moderno.



Segundo os árcades, pois, as causas verdadeiras da decadência literária provinham do abandono dos genuínos clássicos e da busca de inspiração na repetida imitação dos renascentistas.

Os membros da Arcádia, isto é, os Árcades, que assinavam as suas produções com pseudónimos literários, tinham como emblema uma mão empunhando uma foice, e como legenda o lema da mesma Arcádia: Inutilia truncat (ou seja, corta o que for inútil).

O seu principal objectivo era, com efeito, restaurar a sobriedade e equilíbrio do classicismo, fugindo aos excessos do gongorismo; preconizava-se também a libertação da rima que, segundo eles, embaraçava a livre expressão do pensamento.

O principal teorizador do neoclassicismo - isto é, desta tentativa de regresso à pureza dos moldes clássicos - foi Pedro António Correia Garção, que é considerado, ao mesmo tempo, o exemplificador mais perfeito dessas doutrinas.

Como principais documentos dessa teorização literária citaremos a famosa Sátira sobre a Imitação dos Antigos, dirigida ao conde de S. Lourenço, e a Epístola a Olino. A Cantata de Dido é, com justiça, considerada como a mais perfeita exemplificação das teorias preconizadas.

Verifica-se, no entanto, que o neoclassicismo falhou nos seus objectivos, embora tivesse dado frutos positivos como preparação para a atitude mental pré-romântica e chamado a atenção para a frustração literária que se vinha verificando. De resto, a sua acção prevalece concomitantemente com o pré-romantismo e os moldes arcádicos mantêm-se mesmo para além da implantação do Romantismo.

Com o influxo da poesia germânica, porém, envereda-se por um caminho diferente de renovação - o pré-romantismo, que consiste na busca da inspiração, não nas já exauridas ruínas clássicas, mas nas inesgotáveis fontes do mundo interior do próprio indivíduo. Essa será a via segura duma profunda revolução mental e espiritual que se concretizará com o movimento romântico.

Três anos após a fundação da Arcádia, efectivamente, já Correia Garção se apercebera da falência dos seus objectivos fundamentais, e atribuía essa falência a causas meramente exteriores: a falta de assiduidade dos membros, a falsificação da critica objectiva. As verdadeiras razões, porém, estavam nas novas necessidades estéticas que só encontrariam solução com o advento - já próximo - do Romantismo.
Quanto aos mais importantes membros da Arcádia, além de Garção, de que falaremos a seguir, é digno de menção especial António Dinis da Cruz e Silva.


Pré-Romantismo


Depois da relativa falência dos objectivos da Arcádia, verificou-se que o caminho para obviar aos males da Escola Barroca devia ser outro que não um Jardim do Palácio da Pena, em Sintra, de características românticasregresso ao ponto de partida, isto é, à imitação dos clássicos. Desse modo, influenciados principalmente pelas literaturas germânicas, alguns poetas verificam que, se as fontes clássicas, sempre iguais a si mesmas, podem esgotar-se, existe uma fonte sempre renovada de inspiração, que é o tesouro íntimo de cada um. Se os estados de alma não podem repetir-se nem identificar-se uns com os outros, a sua expressão deve participar das mesmas características.

Esta concepção está relacionada com o advento das ideias individualistas da Revolução Francesa, reflexo do movimento espiritual que comprometeu todo o pensamento europeu. Com efeito, a preferência que começa a manifestar-se na literatura pelos temas da solidão, trevas e morte, não é mais do que a afirmação dum individualismo sentimental que deste modo se revela por oposição ao que rodeia o poeta; isto é, a afirmação do seu eu isolado em relação ao mundo exterior.

Entre os que, mais decisivamente, se lançaram neste novo rumo, citaremos Bocage e a Marquesa de Alorna, Alcipe (além destes, Filinto Elísio e José Anastácio da Cunha enfileiram em tendências semelhantes). Nestes poetas, encontramos já muito dos elementos que podem considerar-se como definidores duma estética romântica:


· gosto pela solidão;
· identificação da natureza com os estados de alma;
· preferência pelas paisagens sombrias e agrestes ou tumultuosas.
· utilização literária do maravilhoso popular (fadas, génios, gnomos);
· adopção duma simbologia especial - aves nocturnas, espectros - que vai conduzir ao aproveitamento do belo-horrível como tópico da literatura romântica;
· preferência pelos temas da noite, da escuridão, etc.

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