sábado, 19 de abril de 2008

Visita de estudo à Lisboa de Eça de Queirós e de Cesário Verde

Está confirmada a nossa visita de estudo à Lisboa de Eça de Queirós, nomeadamente a algumas zonas focadas em «Os Maias», e de Cesário Verde.

Aqui fica o guião que foi realizado para a visita, mas que irá ser distribuído em forma impressa a todos os alunos e professores que acompanharem o passeio.

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domingo, 6 de abril de 2008

Mais características da poesia de Cesário Verde

A nível temático:
repórter do quotidiano - «pintor» de ambientes; o deambulismo origina a associação entre as impressões transmitidas pelo real exterior e as reflexões do poeta.
binómio cidade/campo - a cidade é conotada com a doença e com a morte; o campo surge como um espaço de energia e de força vital, como fonte de vida e de refúgio.
crítica social - denúncia da oposição entre a vida egoísta daqueles que são social e eco­nomicamente favorecidos e a miséria que condena os pobres.
A nível estilístico:
- defesa de uma estética anti-romântica
- precisão na construção da estrofe e do verso (verso decassilábico e alexandrino - dez e doze sílabas métricas, respectivamente)
- tradução plástica da realidade
- exactidão vocabular
- coexistência de registos de língua (literário, corrente e familiar)
- dupla e tripla adjectivação
- utilização estilística do diminutivo
- recurso à ironia
- impressionismo (captação do real através de impressões - cor, luz, forma, movimento)
- antecipação do surrealismo - imaginação transformadora do real

Algumas características da poesia de Cesário Verde

O Livro de Cesário Verde é uma compilação póstuma de poesias de Cesário Verde escritas entre 1873 e 1886, organizada e posfaciada por Silva Pinto, da qual se fez uma primeira edição, em 1887, para ofertas a amigos do escritor, e uma segunda edição, em 1901, destinada ao público.

A edição princeps de O Livro de Cesário Verde é constituída por vinte e duas composições, repartidas por duas secções, “Crise romanesca" e "Naturais", sem que se saiba se essa divisão obedeceu a indicações do próprio autor ou ao critério do compilador.

Apesar de omitir várias poesias de Cesário contempladas em antologias posteriores, a recolha é representativa das várias tendências convergentes na obra poética do autor.

Baseando-se na representação pictórica e na descrição plástica da realidade, apoiada no predomínio das sensações:

Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!


Neste aspecto, Cesário aproxima-se do Parnasianismo e do Realismo, superando, todavia, a captação fotográfica do real, através de um processo de recriação poética que opera uma transfiguração do imediato:

Subitamente - que visão de artista ! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!
(de «Num bairro moderno»).

A estética anti-romântica e naturalista (que pode ser observada nos dois versos que se seguem)

E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem

patenteia-se nos motivos da mulher soberba e impassível (nos poemas «Deslumbramentos», «Frígida») da cidade mórbida e industrial («O sentimento dum ocidental», «Num bairro moderno», ambos de influência baudelairiana); na correcção da subjectividade pelo distanciamento e a ironia (poema «Cristalizações»); na visão não convencional do campo, marcada pela experiência pessoal (poemas «Em petiz», «De Verão», «Nós», «De tarde»).

Esta transmudação impressionista ou fantasista da realidade apoia-se num estilo inovador, precursor do Simbolismo, no qual, de entre muitos aspectos, salientaremos o uso da sinestesia, por exemplo nos versos seguintes:

Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;
Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura


Mas é igualmente interessante o uso que faz do advérbio ("Amareladamente, os cães parecem lobos"; "Um forjador maneja um malho, rubramente"), da hipálage ("Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia"; "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno") e do assíndeto:

Vê-se a cidade, mercantil, contente:
Madeiras, águas, multidões, telhados!

Cesário Verde (1855 - 1886) - um curto apontamento sobre a sua vida e obra

Nascido José Joaquim Cesário Verde, e filho de um comerciante que possuía uma loja de ferragens em Lisboa e uma quinta em Linda-a-Pastora, Cesário Verde passa a infância entre o espaço citadino e o espaço rural, binómio que será marcante na sua obra.

Em 1873, matricula-se no Curso Superior de Letras, que abandonará pouco depois, mas onde trava conhecimento com algumas figuras da vida literária de Oitocentos, como Silva Pinto, que se tornará seu grande amigo.

Durante a juventude, tem a oportunidade de viajar pelos grandes centros cosmopolitas europeus (Paris e Londres), na qualidade de correspondente comercial da loja do seu pai, e deixa vários poemas dispersos por jornais e revistas, como o Diário de Notícias, o Diário da Tarde, Novidades, A Harpa, Tribuna, Mosaico, A Evolução, Ocidente, Renascença, A Ilustração ou o Jornal de Viagens, acolhidos com apreciações críticas quase sempre desfavoráveis (Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida, Teófilo Braga) ou simplesmente ignorados.

Em 1874, aparece anunciada a edição para breve de um livro de Cesário Verde, intitulado Cânticos do Realismo, o que, porém, não sucederia. A partir de 1879, desiludido com a incompreensão do mundo intelectual ("A crítica segundo o método de Taine / Ignoram-na."; "A imprensa / Vale um desdém solene", de «Contrariedades»), Cesário dedica-se cada vez mais a assistir o pai na loja de ferragens e na exploração da quinta.

Em 1882, morre-lhe um irmão, de tuberculose, tal como a irmã, morta dez anos antes. Aos 31 anos, ele próprio morre, vítima da mesma doença. Em 1887, Silva Pinto publica a primeira edição, limitada, de O Livro de Cesário Verde, destinada a ofertas a amigos do escritor. Só em 1901 é dada à estampa uma segunda edição, já distribuída pelas livrarias.

A poesia de Cesário Verde é prefiguradora de uma modernidade estética só inteiramente reconhecida no século XX. Como afirmou Joel Serrão, "a leitura e o estudo dos testemunhos dos conviventes de Cesário dados a público aquando da morte do poeta provam que ninguém, ninguém mesmo, entendera a excepcional qualidade da poesia que o poeta negociante legara ao sempre incerto futuro", e dificilmente cabe nas classificações da história literária.

Com efeito, se a representação pictórica dos ambientes e a descrição plástica da realidade, alicerçada em notações sensoriais
Chegam do gigo emanações sadias,
Oiço um canário - que infantil chilrada! -
Lidam ménages entre as gelosias.
E o sol estende, pelas frontarias,
Seus raios de laranja destilada.

(de «Num bairro moderno»),
o aproximam do Realismo, do Parnasianismo e até do Naturalismo em poesia, mediante a busca do célebre livro baseado no "real" e na "análise"; se o interesse votado aos fracos e humildes ecoa ainda influências do Romantismo social , como podemos ver em:
Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trémulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito.
Pesada e secamente, em cima duns tapumes

(de «Desastre»)
ou em:
Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

(de «Contrariedades»),
não é menos verdade que a imaginação e o trabalho do poeta conduzem quase sempre a uma recriação impressionista ou fantasista da realidade.

Algumas das características principais na escrita de Cesário Verde são: um vocabulário objectivo; imagens extremamente visuais de modo a dar uma dimensão realista do mundo (daí poeta pintor); o pormenor descritivo; a mistura do físico e do moral; a combinação de sensações; o uso de sinestesias, metáforas, comparações; o emprego de dois ou mais adjectivos a qualificar o mesmo substantivo; a utilização de quadras, em versos decassilábicos ou alexandrinos; a utilização do “enjambement”.

Dados biobibliográficos
Data e local de nascimento:
25 de Fevereiro de 1855, em Lisboa.
Data e local de morte:
19 de Julho de 1886, em Lisboa.
Outras obras editadas:
Obra Completa de Cesário Verde, 1964; Obra Poética e Epistolografia, 1999; O Sentimento dum Ocidental, 2003.

O Realismo na literatura portuguesa

Não é empresa fácil historiar - e muito menos resumir - o complexo movimento chamado «Realismo» na literatura portuguesa do séc. XIX. Por trás dessa palavra escondem-se e convivem fenómenos e atitudes estéticas de natureza muito diversa. Abre esse período a ruidosa Questão Coimbrã, polémica literária que significou - na frase de Teófilo Braga - «a dissolução do Romantismo». Nela se manifestou pela primeira vez o protesto da geração nascida por meados do século contra o exagero balofo e caduco do gosto romântico, convertido em gesto vazio de monótona artificiosidade. Dela surgiu o Realismo.


A França - e através desta a Alemanha e a Inglaterra - foi a principal inspiradora dos dirigentes da rebelião coimbrã.


Entre 1860 e 1865 saturaram-se de cultura europeia, aspirando os ares que vinham de fora, absorvendo de golpe o humanitarismo social francês de 48. Leram e decoraram Proudhon e Quinet, o satanismo baudelairiano, a erudição histórica de Leconte de Lisle, o determinismo de Taine, as eloquências liberais humanitárias de Hugo, o diletantismo critico de Renan, o revolucionarismo apostólico de Michelet, - e ainda Hegel, e Heine, e Darwin, e Flaubert.


Espíritos muitos díspares, tinham, porém, em comum o prurido de irreverência e de liberdade, o sentimento de revolta contra a estagnação do Ultra-Romantismo constitucionalista e o intuito de renovação do clima das letras e da vida portuguesa. Fora desta comunidade de formação e de atitude geracional, cada um deles seguiu uma trajectória criadora e vital acentuadamente diferenciada.


Contudo, Antero de Quental, Teófilo Braga, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro - e Ramalho Ortigão e Oliveira Martins, que depois se lhes uniram - surgem nos manuais de literatura agrupados sob a epígrafe de «Realismo», naquela que ficou conhecida como a Geração de 70.


De facto, a palavra «realismo» já se envolvera na contenda literária de 1865-66 e fora utilizada como sinónimo de «arte nova» ou «estilo coimbrão».


Um dos espíritos críticos mais avisados da época, Luciano Cordeiro, publicou um artigo n'A Revolução de Setembro (a 7 de Novembro de 1867), intitulado «A arte realista», no qual, adoptando uma posição ecléctica, criticava fortemente quer os moços que injuriavam o escritor ultra-romântico António Feliciano de Castilho em nome da «verdade» artística do «Realismo», quer os ultra-românticos que tremiam de furor e desespero à simples a menção da odiada palavra.


Cordeiro acusava tanto uns como outros a de aceitar como «Realismo» a banal e superficial «tradução da objectividade material das coisas». E anunciava, com a dissolução do Romantismo, periclitante e decrépito, o advento da «escola critica», que, falando à consciência e à razão e exigindo maior cultura intelectual e mais profundo conhecimento dos problemas filosóficos e sociais da época, repudiaria tanto o realismo materialista da arte pela arte como a «inspiração» romântica - cuja manifestação nesse momento era o lirismo sentimental e elegíaco e o formalismo estreitamente provinciano da literatura oficial, na poesia e no romance.


O segundo episódio do processo de aparecimento do Realismo verificou-se em 1871, nas Conferências Democráticas do Casino. Nesta nova manifestação pública da geração de Coimbra, já em plena maturidade, os contornos do Realismo desenharam-se mais nitidamente, embora a sua formulação teórica estivesse longe de responder aos postulados doutrinais hoje aceites como basilares do Realismo de escola francês.

Eça de Queirós, que na Questão de 1865 fora simples espectador, e que até 1871 apenas se manifestara literariamente com uma nebulosa mistura de retalhos de romantismos de além-fronteiras e de parnasianismos de cunho satânico, foi agora o expositor doutrinário da «nova literatura».


A sua conferência versou sobre «O Realismo como nova expressão da Arte» - título em que aparecia a palavra pomo de discórdia. Sob a influência de Antero de Quental, Eça aproximou curiosamente as teorias tainianas do determinismo do meio com os postulados estético-sociais de Proudhon, vergastando o estado decadente das letras nacionais e propugnando uma arte que respondesse às aspirações do espírito dos tempos, que agisse como regeneradora da consciência social e que, desterrando o falso, pintasse a realidade. Essa arte, uma arte revolucionária, era o Realismo; relegando a arte pela arte, a retórica vácua e a invenção romanesca, procedia pela observação e pela experiência, pela fisiologia, ciência dos temperamentos e dos caracteres; enfim, visava a dilucidação dos problemas morais e o aperfeiçoamento da Humanidade.


Com este cientificismo Eça já situava o Realismo, consciente ou inconscientemente, adentro do Naturalismo de Zola.

A conferência de Eça provocou nova batalha. Nas páginas d' A Revolução de Setembro, Pinheiro Chagas - que fora motivo e combatente no recontro de 1865 - atacou Eça e o detestado Realismo. Outras penas, porém, saíram em defesa do conferencista e das suas ideias. E novamente Luciano Cordeiro entrou na lide, comentando a dissertação e salientando que já ele, em 1868, tinha defendido ideias parecidas, ao falar do seu conceito tainiano da arte.

Dois anos mais tarde Eça publicou o conto «Singularidades duma Rapariga Loira» (recolhido em Contos, 1902) - que, na opinião de Fialho de Almeida, é «a primeira narrativa realista escrita em português».


A batalha efectiva da implantação do Realismo no romance começou com a publicação d'O Crime do Padre Amaro, seguida dois anos mais tarde por O Primo Basílio, obras caracterizadas ambas por métodos de narração e de descrição baseados numa minuciosa observação e análise psicofisiológicas, com a anatomia moral das personagens referida a factores deterministas de meio, educação e hereditariedade, à maneira de Zola - e com evidente intuito de crítica de costumes e reforma social.

O primeiro destes romances foi acolhido pelos críticos com um silêncio significativo e escandalizado. O segundo provocou o escândalo aberto. A colisão polémica entre os inimigos dos processos realistas de efabulação e os sequazes da nova tendência alcançou a sua maior virulência em 1880-81. Naquela data novamente Pinheiro Chagas arremete, num jornal brasileiro, contra Eça, tachando-o de antipatriota, pelo modo como apresenta a sociedade portuguesa.

Camilo Castelo Branco, o mestre do romance romântico, então no cume da fama, que em 1879 dera a lume o Eusébio Macário, paródia da técnica narrativa dos realistas, publicava em 1880 A Corja, onde o intuito caricatura era ainda mais evidente. O resultado foi uma violenta polémica, esmaltada de injúrias, na qual tomaram parte apaixonadas penas dum e doutro bando. Curiosamente, Camilo, «realista inconsciente», acabou por aceitar, e empregar de boa fé, muitos dos processos do realismo.

O atrevimento de certos passos dos romances de Eça, principalmente d'O Primo Basílio, escandalizava as pessoas de moral timorata, e chegaram a aparecer folhetos acusando os realistas de contribuírem para a «desmoralização das famílias».

Na década decorrida desde as Conferências Democráticas do Casino, o Realismo lograra um núcleo de adeptos que se empenharam em explicar e defender o seu credo estético, contra a acusação, que os ultra-românticos puseram a circular, de «grosseria» e imoralidade.

Por 1890 o Realismo-Naturalismo tinha perdido a sua vigência. Em 1893, o próprio Eça declara que «o homem experimental, de observação positiva, todo estabelecido sobre documentos, findou (se é que jamais existiu, a não ser em teoria) Positivismo e Idealismo», in Notas Contemporâneas).

Nos outros géneros o Realismo produziu frutos muito desiguais. Não houve uma critica normativa, sistemática. O teatro não foi atingido pelas novas ideias. Não houve drama que possa ser chamado realista; o palco ficou apegado anacronicamente ao gosto romântico. A poesia foi multiforme e teve correntes que se entrecruzaram muito complexamente. Actuaram, com efeito, no período realista tendências assaz divergentes, sujeitas a influências muito diversas. Aliás, a própria natureza do género, de carácter subjectivo, íntimo e pessoal, conspirava contra o predomínio duma determinada doutrina.

A par do revolucionarismo e do angustiado misticismo metafísico de Antero de Quental, encontramos a enfática poesia da Humanidade de Teófilo Braga, o prosaísmo satírico de João Penha, o lirismo social e democrático de Guilherme de Azevedo e de Gomes Leal, o «quotidianismo» citadino e burguês de Cesário Verde, o parnasianismo preciosista de Gonçalves Crespo e o verbo satânico, caudaloso e tonitruante de Guerra Junqueiro, intentando casar Ciência e Poesia.

Resumindo, poderia dizer-se que não foi o Realismo português, visto no seu conjunto, tanto uma escola literária bem definida como um sentimento novo, uma nova atitude espiritual em que couberam direcções e dimensões muito divergentes, que se alçou contra um «idealismo» sem ideais. A sua consequência mais vital e duradoura foi romper a incuriosidade do patriotismo provinciano dos ultra-românticos, abrindo as comportas do espírito nacional a todas as influências de fora, alargando a escolha de motivos literários e renovando as letras duma maneira ampla.

Adaptado do artigo «Realismo» in Jacinto do Prado COELHO. Dicionário de Literatura. Porto: Figueirinhas, 1978